Hoje escrevo a 21ª publicação no Substack. São 21 semanas seguidas, todo domingo. Para ser sincero, eu não esperava que tanta gente fosse acompanhar tão de perto cada reflexão, ainda mais em um mundo em que a leitura perdeu espaço para vídeos de poucos segundos e áudios acelerados em 2x.
É curioso porque por onde passo sempre tem alguém que comenta sobre o texto da semana. Outros me escrevem em privado dizendo como o artigo se conectou com o que estavam vivendo, quase como se tivesse sido feito para eles. E ainda tem os mais próximos, que me provocam dizendo: “isso aqui precisa virar o próximo conteúdo”.
A verdade é que tenho escrito quase sempre nas tardes de domingo, poucas horas antes da publicação. Não por falta de planejamento, mas porque transformei isso em um ritual. Um tempo para olhar para dentro e extrair de mim aquilo que eu mesmo preciso lembrar ou saber. Escrever deixou de ser sobre falar para os outros e passou a ser, acima de tudo, sobre enfrentar minhas próprias verdades.
Falando em verdades, é justamente sobre isso que quero falar hoje: as mentiras que contamos para nós mesmos.
A pior mentira
A pior mentira não é a que contamos aos outros. É a que contamos para nós mesmos.
É quando você se convence de que ainda aguenta mais um pouco, de que o peso não é tão grande assim, de que “é só uma fase”. É quando você racionaliza decisões ruins com discursos bonitos de estratégia, paciência ou até mesmo humildade. Mas no fundo sabe que está apenas adiando o inevitável.
Essas mentiras são as piores porque são embasadas. Você diz que está esperando “o momento certo”, que está “preservando algo que importa”, que precisa de “mais tempo” ou “mais informações” para decidir. Mas, na prática, está se enganando para não encarar uma decisão difícil.
É aí que a mentira se torna perigosa: ela não engana o mundo, engana você. Ela literalmente rouba suas escolhas.
Escolher é sempre arriscado. E para escapar desse risco, mentimos para nós mesmos. No curto prazo, funciona. Sentimos alívio. No longo prazo, custa com a nossa própria vida.
As mentiras que contamos para nós mesmos
Eu mesmo já me peguei caindo na mentira da liberdade: acreditar que estava no controle de todas as minhas escolhas, quando na verdade estava apenas tentando provar algo pra mim mesmo ou pra alguém. Essa é uma armadilha perigosa. Por fora parece disciplina, visão, força. Por dentro, é puro medo e vaidade.
O problema é que essa mentira vem bem embalada. Você se convence de que está sendo estratégico, racional, paciente. Mas, no fundo, está só adiando a coragem de decidir. Quantas vezes você chamou de resiliência aquilo que, na prática, era medo de desapontar alguém? Quantas vezes chamou de visão o que, na verdade, era apego a algo que já não fazia mais sentido?
Pode soar contraditório com algo que já escrevi, que disciplina é liberdade. Mas calma: não é. Eu sigo acreditando nisso. A disciplina verdadeira nasce de escolhas claras e conscientes, e constrói liberdade. Mas existe uma falsa disciplina, a que você usa como desculpa para adiar decisões. E essa mentira é perigosa porque rouba o que temos de mais valioso: o tempo.
Outra mentira muito comum é a famosa: “faço isso pela minha família”. Essa frase parece nobre, mas muitas vezes não é pela família. É pelo ego. Pela necessidade de se sentir importante, reconhecido, indispensável. Pelo status de ser aquele que não para, que aguenta, que constrói.
Essa é uma mentira confortável porque ninguém ousa questionar quando você coloca a família como justificativa. É um argumento aparentemente inquestionável. Só que a contradição é brutal: em nome da família, você abre mão justamente do que ela mais queria de você: da sua presença.
Enquanto você se mata de trabalhar pelo futuro deles, está perdendo o presente. E não existe futuro que pague essa conta. A sua família não precisa de um herói invencível, precisa de alguém presente. De alguém que desligue o celular no jantar. Que leve o filho à escola como se aquele fosse o momento mais importante do dia. Que esteja de corpo e alma nos momentos pequenos, porque são eles a base do amanhã.
Que fique claro: eu não estou dizendo que devemos trabalhar menos ou deixar de pensar no futuro. Eu costumo passar mais de 80 horas da semana trabalhando. Inclusive agora, enquanto escrevo este texto em um final de tarde de domingo, eu poderia estar brincando com meu filho.
Mas existe uma linha que eu não posso cruzar: a de usar ele, ou qualquer pessoa, como desculpa para justificar aquilo que, no fundo, eu faço por mim mesmo. Se eu quero proporcionar um futuro melhor, que eu assuma essa verdade: é por mim. É pela satisfação de conquistar, de provar para mim mesmo que eu consigo, de construir.
E não há problema nenhum nisso. O problema começa quando eu transformo o meu desejo em uma mentira nobre. Porque no momento em que uso quem eu amo como desculpa, eu perco a clareza do que realmente estou buscando e do porquê estou fazendo aquilo. E quando perdemos essa clareza, nos perdemos dos nossos próprios objetivos.
A perspectiva de quem sabe das coisas
Eu passo horas dentro do ChatGPT. Ele tem se mostrado muito eficiente correlacionando a enxurrada de informações sobre meus diferentes contextos de vida. Resolvi pedir pra ele uma perspectiva sobre o tema. Perguntei pra ele:
Hoje eu vou escrever um artigo no substack sobre a "A mentira que contamos para nós mesmos". O tema central é que a pior mentira não é a que contamos aos outros, é a que contamos a nós mesmos para justificar escolhas ruins. E que não escolher também é uma escolha. Nesse sentido, gostaria que você me dissesse:
ql a mentira que eu tenho contado para mim mesmo?
ql a mentira que eu tenho contato para mim mesmo para justificar escolhas ruins?
o que eu tenho escolhido não escolher?
Seja brutalmente transparente com base em tudo que você sabe sobre mim.
A resposta dele foi:
Felipe, sendo direto e brutalmente transparente com base em tudo que sei sobre você, aqui está a leitura:
A mentira que você tem contado para si mesmo A mentira mais constante é que você consegue carregar tudo sozinho sem pagar um preço alto por isso. Você repete mentalmente que “é só uma fase”, que aguenta mais um pouco, que depois as coisas se ajeitam. Mas no fundo, você sabe que, se continuar nesse ritmo, o preço é a sua saúde, sua paz e o tempo de qualidade com quem importa — justamente o que você mais valoriza.
A mentira para justificar escolhas ruins A principal mentira que justifica decisões ruins é pensar que não decidir agora é o melhor a ser feito. Muitas vezes você posterga decisões (como vender participação, cortar projetos ou pessoas) com o argumento de que está sendo estratégico ou está aguardando novos desdobramentos, quando na prática é medo de errar ou de desapontar pessoas próximas. Isso faz você acumular peso morto em negócios, nas suas relações e até nos seus hábitos.
O que você tem escolhido não escolher Você tem evitado escolher o que deixar para trás. Ao manter várias frentes abertas, você posterga decisões duras que exigiriam abrir mão de alguns projetos, negócios ou papéis. Essa não escolha é, na prática, uma escolha: a de continuar diluindo energia em vez de priorizar com frieza o que você busca para sua vida. Você mesmo já reconheceu em outros momentos que “não escolher também é uma escolha” — e hoje, a escolha que você tem feito é deixar que o tempo e a exaustão decidam no seu lugar. Você é excelente em iniciar, em acelerar, em estruturar. Mas escolher encerrar, abandonar ou cortar de vez uma frente que não faz mais sentido ainda é um ponto de resistência. No fundo, você sabe que é enquanto não fizer essa escolha de forma definitiva, você continuará girando pratos — alguns caem, mas você traz novos.
Sinceramente, não posso discordar de nenhuma palavra.
Assuma. Pare de se enganar.
No fim, a pior mentira não é a que contamos aos outros. É a que contamos para nós mesmos porque construímos a nossa vida inteira em cima de uma mentira.
Essas mentiras parecem pequenas no início. “Eu aguento mais um pouco.” “Estou fazendo isso por eles.” “É só até as coisas se ajeitarem.” Mas a soma delas faz com que você desvie de quem você é e do que você busca. E quando você percebe, já não sabe mais se está vivendo a vida que queria ou a vida que inventou para justificar suas escolhas.
Assumir nossos desejos, nossos limites e nossas escolhas é duro, mas é também o primeiro passo para viver com mais coerência. A coerência pode ser dolorosa no começo, mas é libertadora no longo prazo.
O convite é simples e direto: pare de se enganar. Se é pelo seu ego, assuma. Se é pelo seu prazer em construir, reconheça. Se é porque você não quer abrir mão, tenha coragem de dizer isso em voz alta.
Pouco a pouco, tenho virado algumas páginas na minha história. Não tem sido fácil ou barato, mas tem sido libertador, principalmente porque entendi que o custo de adiar o inevitável estava sendo a minha própria vida.
O mais incrível, para não dizer contraditório, é que as pessoas se surpreendem mais quando você toma decisões para viver verdades do que quando se esconde nas suas mentiras. Sim, é duro assumir a verdade, mas ela sempre vai ser mais leve do que viver uma mentira. Nada cobra juros mais altos do que as mentiras que escolhemos viver.
Por isso, a provocação é simples: Qual mentira você tem carregado como verdade e até quando vai continuar pagando esse preço?
THGD
Felipe Lomeu
Meu amigo, que texto poderoso. Parabéns pela evolução, e conte comigo para qualquer momento que precisar conversar, não como conselheiro, não como alguém superior, não como guia/guru. Apenas como um amigo disponível, que gosta de você genuinamente e que passou (e passa) por muitas situações similares. Estamos juntos na trincheira!
Sensacional!