Nas últimas semanas, escrevi sobre sistemas. Falei sobre como o improviso disfarçado de agilidade, costuma cobrar um preço alto demais. Também falei que sistema é muito mais do que tecnologia. É, na verdade, a base invisível (ou nem tão invisível assim) que sustenta qualquer tipo de crescimento.
Agora, quero dar um passo além.
Porque o desafio real não é apenas ter um sistema. É conseguir fazer com que ele funcione de verdade no dia a dia. O problema é quando o sistema vira só um conjunto de boas intenções mal aplicadas. Está no papel, mas não está na rotina.
E isso vale pra empresas, times e também pra pessoas.
É fácil dizer que tem processo. Difícil é seguir com consistência. Difícil é ter clareza suficiente pra saber o que priorizar, onde alocar energia e quando dizer não. E é aí que muita gente escorrega: não pela falta de sistema, mas pela falta de critério e disciplina para operar um sistema.
Ferramenta tem de sobra. Método também. Benchmark, então, nem se fala. O problema é não saber qual usar, quando usar e, principalmente, por que usar. É trabalhar sem criticidade, vulnerável a modismos, achismos ou tendências genéricas, sem clareza real sobre a dor que se quer resolver.
E aqui nasce uma das armadilhas mais comuns do crescimento: fazer demais sem saber o que realmente precisa ser feito.
Foi passando por isso, entre erros e acertos, que comecei a entender o que realmente funciona pra mim. Testei dezenas de ferramentas, processos e metodologias. Algumas deram certo. Outras, não. Algumas chegaram antes da hora. Outras, quando já era tarde. Fora as que funcionam para um negócio, mas não funcionam para outro.
Entre um acerto e outro, fui identificando padrões por trás de diferentes ferramentas, métodos e frameworks. Uma base comum que, conforme eu aprofundava o entendimento e adaptava ao meu contexto, foi virando meu próprio sistema de trabalho. E quando isso aconteceu, o meu jogo mudou.
Não existe sistema perfeito. Mas existe algo que, se você acerta, muda tudo. Nesse sentido, eu te encorajo a trabalhar em um sistema que funcione pra você, pro seu negócio, pro seu time, que seja coerente com estágio em que vocês estão agora.
Por isso, nesta série de publicações, vou abrir os bastidores de como organizo os meus sistemas. Compartilhar o que me ajuda a pensar, decidir e executar com mais clareza. O que simplificou minha rotina como líder. O que facilitou a gestão de times e projetos. E o que, mesmo parecendo promissor, acabou atrapalhando mais do que ajudando.
Não é sobre o que você usa. É sobre o porquê, o quando e o como. É sobre ter sistemas pensados pra durar e ajustados pra funcionar de verdade.
Coerência é um compromisso com o que importa
Quem me acompanha de perto sabe que estou sempre envolvido em novos projetos e desafios. Mas o que muita gente não vê é o que sustenta tudo isso por trás. Existe um objetivo de longo prazo, pessoal e profissional, muito bem definido. Eu sei para onde estou indo e trabalho com consistência para chegar lá.
Mas o caminho até lá não é linear. Ele é cheio de curvas, distrações disfarçadas de oportunidade e oportunidades que exigem foco absoluto. E é aí que entra um dos pilares do meu sistema: coerência.
Tudo em que coloco energia precisa conversar com esse objetivo maior. Cada sim que dou hoje precisa, de alguma forma, se conectar com o que estou construindo. Se algo não contribui, por mais sedutor que pareça, dificilmente vai receber meu tempo ou qualquer outro tipo de recurso.
Talvez isso pareça óbvio para algumas pessoas. Mas manter coerência é um dos maiores desafios quando você está no jogo do crescimento com múltiplas frentes rodando ao mesmo tempo.
E esse princípio não vale só para negócios. Vale para a vida.
Se você diz que quer fazer um Ironman em um ano, isso precisa aparecer nas suas escolhas de hoje. Desde o que você come até como organiza sua agenda. Treinar ou dormir mal? Sair todo fim de semana ou manter a rotina? Tudo isso conta. E não é só sobre treinar. É sobre tudo que está em volta desse compromisso.
O Ironman exige preparo específico em três frentes: natação, ciclismo e corrida. É preciso foco, consistência e um plano coerente com o que a prova realmente exige. É um jogo completamente diferente de treinar por estética ou por uma meta genérica. Se o objetivo é o Ironman, cada escolha precisa refletir isso.
Faz sentido enfiar um treino de crossfit pesado e chegar sem perna no pedal? Ou se empolgar com um esporte que aumenta o risco de lesão e te tira dos treinos principais por semanas? Parece legal, parece inofensivo. Mas é distração. Na alimentação, o erro é o mesmo. Seguir uma dieta voltada para ganho de volume e hipertrofia enquanto o corpo precisa estar leve, resiliente e eficiente para longas distâncias. Não é coerente.
O que parece pequeno e inofensivo hoje é exatamente o que pode te impedir de chegar onde você quer amanhã. As pessoas não deixam de alcançar seus objetivos por causa de um grande erro. Mas pelas pequenas decisões do dia a dia que não tratam com o rigor necessário.
Coerência não é só disciplina. É coragem de dizer não às boas oportunidades que aparecem, mas não te levam para onde você quer ir e nem contribuem para quem você quer se tornar. Coerência é um compromisso com o que importa.
Nenhum sistema funciona se você ignora o que disse que era importante.
Escolher um objetivo é eliminar o resto
Existe um erro comum entre pessoas inteligentes, ambiciosas e cheias de energia: achar que podem fazer tudo ao mesmo tempo, que conseguem equilibrar mil frentes sem perder performance e que dizer “sim” para várias oportunidades ainda é sinal de força.
Mas escolher um objetivo real de longo prazo, um que realmente importe, exige uma atitude: eliminar o resto.
É isso que um bom sistema faz. Ele não só organiza, prioriza e orienta. Ele corta. Ele filtra. Ele transforma visão em plano e plano em execução. Ele te impede de se perder em ideias que parecem boas, mas te afastam do que é certo. Ele te lembra, todos os dias, o que precisa ser feito e, talvez mais importante, o que precisa ser ignorado.
Uma vez escutei uma frase que virou um mantra. Simples, mas precisa:
“Você até consegue fazer tudo. Mas você não consegue fazer tudo ao mesmo tempo.”
- Pedro Duarte
Se você tem clareza sobre onde quer chegar, seu próximo passo é construir um plano de trabalho coerente com esse destino. E, para isso, algumas ferramentas e princípios ajudam a transformar intenção em critério. A mais conhecida talvez seja a regra dos 5/25, popularizada por Warren Buffett: liste as 25 coisas que você mais quer alcançar, escolha as 5 mais importantes e evite deliberadamente todas as outras. Outro bom exemplo vem do livro The One Thing, que propõe a pergunta: “qual é a única coisa que, se feita agora, torna o resto mais fácil ou irrelevante?”. Essa mesma lógica aparece em frameworks como North Star Metric, OKRs bem aplicados e no próprio essentialismo: menos, porém melhor.
O que todos eles têm em comum é simples: clareza, prioridade e coragem para dizer não. Se você tem clareza sobre onde quer chegar, seu próximo passo é construir um plano de trabalho coerente com esse destino. Pergunte-se:
Quais são os marcos que indicam progresso?
O que preciso tirar da minha agenda imediatamente?
Quais frentes preciso sustentar com consistência?
Como será minha rotina daqui pra frente?
Sistema não é apenas sobre produtividade. É sobre direção. Não é sobre apenas fazer mais. É sobre fazer melhor o que realmente importa, com método, com clareza e com coragem.
Na próxima publicação, continuaremos falando sobre meus sistemas, em especial sobre rotinas e organização. Por agora, deixo uma provocação:
Você já escolheu seu objetivo de verdade ou ainda está tentando abraçar o mundo inteiro ao mesmo tempo?
THGD
Felipe Lomeu