Cultura não é o que está na parede
Cultura é o que permanece quando você não está por perto.
Muito se fala sobre cultura. Empresas escrevem frases bonitas nos valores, imprimem quadros nas paredes, publicam slogans sobre propósito e visão. Mas a verdade é que cultura não é o que está escrito. É o que o líder permite e tolera. É o que se repete todos os dias.
Mais do que qualquer plano estratégico, a cultura define como as pessoas se comportam quando não têm um manual para seguir. É o que dita a qualidade das decisões, o tipo de conversa que acontece no dia a dia e, principalmente, o que acontece depois que o líder não está presente.
"Cultura é o que acontece quando o líder não está por perto." - Ed Catmull
Se você é líder, sua postura define o que o time entende como aceitável. Você é o guardião invisível da cultura. Suas ações, e também suas omissões, moldam, todos os dias, o comportamento do time.
Na prática, a cultura se revela nas pequenas permissões diárias, nos desvios que são aceitos, nas incoerências que passam em branco. Não adianta pregar transparência e varrer problemas para debaixo do tapete. Não adianta pregar autonomia e minar a confiança com microgestão. A cultura real se sustenta na coerência. E a liderança é o maior vetor dessa coerência.
Desde que voltei para a gestão da Tegrus e assumi a posição de CEO há pouco mais de um ano, passamos por uma virada importante ao decidir que cresceríamos de forma consistente, com foco em cultura, performance e excelência. Isso exigiu encarar conversas complexas e tomar decisões difíceis. Hoje, tudo que toleramos precisa ser coerente com os princípios que queremos fortalecer.
Liderança centrada em pessoas
A habilidade mais valiosa para os líderes do futuro não será dominar tecnologia. Será saber lidar com gente. Construir conexão, escutar de verdade, perceber o cansaço, acolher vulnerabilidades e, ainda assim, sustentar padrões de excelência. Não se trata de discursos sobre empatia. É sobre presença. Sobre criar espaços seguros onde o time possa errar, aprender e crescer.
Sempre busquei investir tempo real com as pessoas. Na Tegrus, além das 1-1's (one on ones) e de várias outras reuniões regulares, recentemente criamos ritos de desenvolvimento com encontros semanais que vão além do conteúdo técnico. A intenção é gerar pertencimento, maturidade e alinhamento. Construímos uma cultura que não depende apenas da liderança formal, mas que é compartilhada por quem veste a camisa todos os dias.
Cultura forte nasce de relações verdadeiras. Líderes que desenvolvem confiança, praticam escuta ativa e criam ambientes de segurança psicológica constroem times que performam mais e melhor. Isso não acontece em uma semana. A confiança nasce da consistência. E se fortalece quando o time sente que pode contar com você, inclusive nas falhas.
Eu escolhi ser um líder que conhece o nome e a história das pessoas. Que sabe o que cada um está vivendo. Que se preocupa com o ser humano por trás das suas entregas. Porque não existe cultura forte construída em cima de relações superficiais. Isso é uma escolha.
Cultura não é “gente feliz”. É gente segura.
Tem muito gestor confundindo cultura com ambiente fofo. Mas cultura forte não é um time sorridente e sem conflitos. É um time que tem segurança para discordar, errar e propor ideias sem medo de ser punido.
"O valor de um líder não está no quanto ele tem de poder, mas no quanto ele é capaz de gerar segurança para os outros." - Simon Sinek
Times de alta performance são feitos de gente que confia uns nos outros. Que sabe que, mesmo quando a barra pesa, alguém vai segurar do lado de cá. E isso só existe quando a liderança é construída com base em relacionamento. E relacionamento exige tempo, escuta, coerência e coragem.
Coragem para sustentar o que importa
Manter uma cultura viva exige coragem. Coragem para tirar alguém que entrega resultado, mas destrói o ambiente. Coragem para manter os princípios quando seria mais fácil fazer concessões. Coragem para sustentar a barra, mesmo quando o cenário joga contra no curto prazo.
Liderar a cultura exige posicionamento. E também adaptabilidade. Porque o mundo muda. As pessoas mudam. Os ciclos mudam. Mas os princípios, se forem verdadeiros, precisam ser sustentados.
Já recebi críticas de pares do mercado por ter deixado de fechar contratos relevantes e por ter reformulado estruturas internas que estavam funcionando bem. Tomar essas decisões não é fácil. Mas é necessário para construir algo maior do que um negócio. Especialmente quando o objetivo é formar uma cultura forte.
"Seus valores só são reais quando custam algo." - Brené Brown
O time observa tudo. Como você trata os outros. Como reage quando é contrariado. Como lida com pressão. Como vive seus próprios valores. É ali que a cultura se molda. Não no discurso bonito, mas nas microações de quem lidera pelo exemplo.
Valores precisam ser visíveis nas atitudes. Não devemos depender de manuais para lembrar o que importa. A cultura precisa ser reconhecida nas reuniões, nas decisões, nos bastidores. E isso exige consistência entre o que se diz e o que se faz.
Cultura é o que sobrevive à sua ausência
A comunicação é um pilar silencioso da cultura. E comunicação não é sobre falar bonito ou de apresentações impactantes. É sobre criar clareza, conexão e confiança. Estou falando de escuta. De saber o que não foi dito. De ler o contexto. De ajustar o ritmo do time. De acolher sem perder a firmeza. E de comunicar com clareza para que ninguém tenha dúvidas sobre o que está sendo construído.
O líder precisa saber ajustar o tom, o ritmo e a profundidade da conversa. Precisa entender o momento do outro. Saber quando provocar, quando escutar e quando conduzir.
"A cultura devora a estratégia no café da manhã." - Peter Drucker
Cultura é o que permanece quando você não está por perto. É o que acontece quando dá problema, quando alguém erra, quando um cliente reclama, quando o líder falha. É aí que a cultura aparece. E se ela ainda depende da sua presença para funcionar, talvez ela ainda não exista de verdade.
Por fim, cultura exige visão de longo prazo. Confiar em alguém, seguir um líder, se comprometer com um projeto. Tudo isso leva tempo. Tempo, consistência e verdade. Um dia de cada vez. Com decisões firmes, com relacionamentos reais e com um time que acredita que dá para crescer sem abrir mão do que é certo. Um time que sabe por que está fazendo o que está fazendo. E com uma liderança que entende que cultura forte não se impõe. Se constrói.
THGD
Felipe Lomeu