Eu aprendi a virar a noite na era da internet discada, quando a conexão era feita por telefone fixo e cobrada por minuto. Nessa época, das 0h00 às 6h00, podíamos ficar online pagando apenas um pulso telefônico. O mesmo valia para os fins de semana. Por isso, era comum passar a madrugada inteira e os fins de semana conectado, aproveitando cada segundo. E assim, aos poucos, a noite virou meu dia. E fui desaprendendo a dormir.
Não era por falta do que fazer. Era por falta de opção. E também pela curiosidade e vontade de explorar um novo mundo que se abria ali, diante de uma simples tela de computador, mas com infinitas possibilidades.
Os anos foram passando e esse hábito me acompanhou. Me acostumei com o silêncio da madrugada, com a concentração sem interrupções e a sensação de estar ganhando tempo. Para conciliar com os compromissos da manhã, passei a dormir cada vez menos. Eu sentia que ganhava 3 horas a mais por dia. Me sentia o super-homem. Mas não era.
Durante muito tempo, tentei provar que dava certo. Estudava produtividade obsessivamente. Cheguei a viver de 2 ou 3 horas de sono por dia, compensando com 4 ou 6 power naps de 20 minutos. Power naps, em teoria, são cochilos curtos feitos ao longo do dia para recuperar energia, foco e desempenho cognitivo. São muito utilizados por quem busca manter o desempenho mental mesmo com pouco tempo de descanso contínuo.
O problema é que essa rotina virou um péssimo hábito. E um péssimo hábito, quando não tratado, cobra caro. Já passei por insônia crônica e vivi fases em que só conseguia dormir por esgotamento físico e mental.
Sim, esgotamento. Eu não dormia por escolha. Dormia quando o corpo colapsava. E essa conta chegou: silenciosa, invisível… muito alta.
Quando a conta chega, temos que pagar
Dormir pouco parece um atalho no curto prazo, mas é uma armadilha perigosa. A falta de sono impacta humor, cognição, clareza, energia e até a imunidade. E mais: enfraquece sua capacidade de tomar boas decisões e de sustentar o foco em tarefas importantes. À noite, a chance de tomar decisões ruins aumenta. Você está no piloto automático sem perceber.
O meu trabalho, por décadas, teve prioridade máxima na minha vida. Minha disciplina se voltou para as longas jornadas de trabalho. E, sem perceber, troquei o dia pela noite em nome da produtividade e dos resultados.
"Trabalhe como o inferno. Você precisa trabalhar entre 80 e 100 horas por semana. Isso melhora suas chances de sucesso. Se os outros trabalham 40 horas por semana e você trabalha 100, mesmo que façam a mesma coisa, você vai alcançar em 4 meses o que levaria um ano para eles."
- Elon Musk
Essa frase sempre me acompanhou. Porque ela é uma verdade e é aplicável para qualquer decisão da sua vida. Mas o que ninguém consegue saber com tanta clareza é o que esse tipo de intensidade vai custar.
No meu caso, pra piorar, teve um período da minha vida em que eu me via virando noite atrás de noite, trabalhando acompanhado de um bom vinho ou de uma boa cerveja. E aí, para acompanhar, sempre vinha algo nada saudável para comer.
E tudo isso junto de algo ainda mais perigoso: a falsa sensação de controle. Você acha que está produzindo mais. Mas está só funcionando no modo sobrevivência, horas sentado, sem pausas, sem se esticar ou respirar direito, sem se questionar se o que está fazendo, faz sentido.
O resultado já era óbvio até pra mim. O problema é que quando a conta chega, não há opção: temos que pagar.
Estabelecendo um novo ciclo de disciplina e autocontrole
Anos atrás, decidi experimentar uma nova rotina: acordar cedo. Para muitos, isso é comum. Para mim, foi como mudar de planeta. Pela primeira vez, o silêncio do começo do dia passou a fazer parte da minha rotina. É incrível acordar todos os dias com o barulho do mar e os passarinhos cantando.
Um livro simples, mas cheio de propósito, "O Milagre da Manhã”, de Hal Elrod, me ajudou a enxergar as manhãs sob outra perspectiva. O livro propõe uma rotina matinal estruturada com práticas como meditação, leitura, afirmações, visualizações, exercícios físicos e escrita. A ideia central é simples: comece o dia vencendo você mesmo.
Foi exatamente isso que eu tentei aplicar. Comecei a incluir tempo de silêncio, leitura e atividade física antes de qualquer obrigação. Primeiro, uma meditação curta para organizar a mente. Depois, uma leitura não técnica, para refletir sobre a vida. Em seguida, uma atividade física intensa, sem pressa.
Com o tempo, percebi que essas primeiras decisões do dia moldam todo o resto. E que, quando eu não faço isso, é mais fácil eu me perder. É mais fácil dizer sim ao que devo dizer não. É mais fácil deixar que os outros decidam por mim o que é prioridade.
Essa rotina não transformou só minhas manhãs. Ela transformou a minha percepção sobre o que significa ter controle. Porque, no fim das contas, se você não controla como começa seu dia, é provável que não controle mais nada.
Uma frase marcante nessa linha vem do almirante William H. McRaven, em seu famoso discurso em uma formatura da Universidade do Texas:
"Se você quer mudar o mundo, comece arrumando sua cama."
- William H. McRaven
A lógica é simples. Se você começa o dia com uma tarefa cumprida, por menor que seja, você estabelece um ciclo de disciplina e autocontrole que influencia todo o resto.
Acordar cedo me permitiu voltar a cuidar da minha saúde e do meu foco. Mas, pra mim, ainda não é natural. Acordar cedo, para mim, exige disciplina, esforço e, acima de tudo, reconfiguração mental. Meu corpo continua achando que a madrugada é o melhor lugar do mundo.
Verdade é que eu ainda escorrego. Vez ou outra me pego virando uma noite. Meu desafio é diário. Preciso eliminar todos os gatilhos, se não, meu hiper foco me leva para mais uma madrugada virada. Mas hoje sei o custo. E, mais importante: eu tenho clareza de qual jogo eu estou jogando e para qual jogo eu estou me preparando para jogar.
É difícil equilibrar tudo. E está tudo bem.
A Pirâmide de Maslow, que organiza as necessidades humanas desde as fisiológicas até a autorrealização, sempre me pareceu uma teoria bonita demais frente aos desafios da vida real. No meu caso, durante muitos anos, eu simplesmente ignorei as camadas mais básicas. Alimentação, sono e autocuidado eram atropelados por trabalho, pressão e obsessão por resultado.
A hierarquia de necessidades de Maslow sugere que só podemos buscar autorrealização depois de suprir as necessidades básicas. Na prática, eu inverti tudo. Fui buscar autorrealização sem me preocupar com qualquer tipo de estrutura embaixo.
A Pirâmide de Maslow não é algo com que se deve concordar ou discordar. Ela traz uma lógica que faz sentido. Mas, para mim, essa lógica serve muito mais como um direcionador de longo prazo do que como um mapa perfeito com uma lupa no presente.
No curto prazo, vivemos ciclos. E cada ciclo exige um tipo de intensidade. Às vezes, o foco está no trabalho. Em outras, na saúde. Em outras, na família. Esperar equilíbrio absoluto em todas as camadas o tempo inteiro é utopia. O problema não é estar desequilibrado. O problema é ignorar esse desequilíbrio e não agir com consciência sobre ele. O problema não está em mudar de foco. Está em fingir que dá para focar em tudo ao mesmo tempo. Equilíbrio absoluto é ilusão. Ainda mais em tempos de ruptura, pressão ou crescimento.
"Pressão é um privilégio.”
- Billie Jean King
Pressão é privilégio. A pressão certa, no tempo certo, é o que faz a gente ir para outro nível. Isso está na natureza. Nós só precisamos aprender a reconhecer em qual ciclo estamos. E, principalmente, ter coragem de agir de forma coerente com cada um dos ciclos.
No meu caso, só nos últimos anos consegui reorganizar o básico com mais consistência. Hoje, minha saúde é inegociável. Eu faço pelo menos 30 minutos de atividade física todos os dias. Tem dia que eu vou só pela disciplina. O resultado? 20kg a menos desde que comecei. O corpo e a mente estão em outro nível. É como se eu tivesse 20 anos mais novo.
E o mais importante: tomei a decisão de parar de negligenciar o óbvio e cuidar de mim.
No controle do que importa.
Uma das decisões mais transformadoras da minha vida foi parar de responder tudo, todo mundo, o tempo todo. Por muitos anos, eu fui escravo da urgência dos outros. Clientes, equipe, parceiros, amigos, família. Sempre disponível, sempre acessível, sempre resolvendo tudo para todos.
Talvez tenha sido uma forma de buscar reconhecimento e demonstrar resolutividade. Mas a verdade era eu me colocando em último lugar. Na prática, era uma rotina que me impedia de pensar com profundidade, priorizar com clareza e proteger minha energia para o que realmente importava.
Hoje, minha regra é simples:
"Não faça da sua falta de planejamento a minha urgência."
Sim, isso exige coragem. Dizer não exige coragem. Criar barreiras, filtrar acessos, silenciar notificações, tudo isso vai contra o que o mundo espera de alguém que lidera, que performa, que está à frente. Mas é exatamente isso que me devolveu o controle da minha vida.
Desativei todas as notificações. Todas. Há anos. Não recebo alertas de e-mail, WhatsApp, Instagram, ClickUp ou qualquer outro aplicativo. Parece radical, mas essa decisão me ajudou a ter uma vida muito melhor. Não apenas melhorou a minha produtividade, mas também ajudou na energia que eu dedico às minhas prioridades, minha saúde mental e minha paz.
Hoje entendo que quanto menos eu respondo, melhor. Para mim e para os outros. Meu time encontra soluções. Meus clientes aprendem a acessar os canais certos. Meus amigos e minha família entendem meus limites. E, mais do que nunca, eu me concentro no que realmente importa. Essa decisão redefiniu a forma como eu trabalho, como eu lidero e como eu vivo. Não é fácil. Mas é libertador.
Existe um salto absurdo na vida quando você entende a diferença entre estar ocupado e estar avançando. Estar ocupado pode até gerar a sensação de progresso, mas muitas vezes é só movimentação sem direção. Já estar avançando é quando suas ações estão diretamente conectadas e coerentes com seus objetivos de longo prazo.
É aí que entra uma das ferramentas mais poderosas que existe: a Matriz de Eisenhower. Criada pelo ex-presidente americano Dwight Eisenhower, a matriz divide as tarefas em quatro quadrantes:
Importante e urgente: o que precisa ser feito agora.
Importante mas não urgente: o que deve ser planejado.
Urgente mas não importante: o que pode ser delegado.
Nem urgente nem importante: o que deve ser eliminado.
Essa matriz ajuda a fazer uma triagem do que merece sua atenção real. O mais curioso é que, quando você passa a usar a matriz de forma disciplinada, percebe que a maioria das coisas que parecem urgentes não são importantes. E que o que realmente transforma sua vida está, quase sempre, no quadrante do planejamento, aquele que raramente ganha espaço quando se vive apagando incêndio.
O quanto você está disposto a pagar?
No fim das contas, tudo o que escrevi aqui fala de escolhas. Escolhas conscientes ou inconscientes. Escolhas que acumulamos ao longo dos anos e, cedo ou tarde, nos trazem exatamente até onde estamos agora.
Durante muito tempo, escolhi virar noites, ignorar sinais, atropelar necessidades básicas em nome da performance. Escolhi atender a todos, menos a mim. E por mais que esses caminhos tenham me trazido conquistas importantes, eles também me cobraram caro. Muito caro. E está tudo bem. Pelo menos para mim.
A minha provocação é: você está disposto a pagar essa conta?
Hoje, com mais clareza e mais maturidade, entendo que não existe fórmula perfeita e nem certo ou errado. Mas existe coerência. E, principalmente, existe contexto. Cada ciclo da vida exige um tipo de prioridade. E o nosso sistema de escolhas precisa acompanhar esse ciclo, com coragem e com verdade. Do contrário, vira uma equação insustentável, que cedo ou tarde cobra o preço em forma de cansaço, frustração ou arrependimento.
Porque o que sustenta um ciclo real de crescimento não é intensidade desgovernada. É a capacidade de manter a consistência com coerência. De colocar energia no que importa. De dizer não ao que te afasta do seu objetivo.
Hoje, minhas escolhas são outras. Ainda intensas. Mas muito mais conscientes.
E só são possíveis porque eu vivi tudo o que vivi. Se eu não tivesse ultrapassado os limites, talvez não tivesse chegado onde estou. Foram as escolhas difíceis, certas ou erradas, que construíram o cenário que me permite, hoje, escolher com mais clareza, cuidar da minha saúde, priorizar minha vida e sustentar meu sucesso profissional de forma diferente.
No fim, a conta sempre chega. O que muda é se você estará pronto para pagar. E o que fará com o que aprendeu depois disso.
E você? O quanto você está disposto a pagar?
THGD
Felipe Lomeu
Sensacional!