Você nunca vai ser alguém
Existem frases que a gente não esquece. Não porque nos marcaram positivamente, mas porque, de alguma forma, nos desafiaram em silêncio.
Às vezes, algumas frases chegam disfarçadas de brincadeira. Outras, são ditas como verdade absoluta, por quem achava que sabia mais sobre a gente do que nós mesmos.
Lembro exatamente onde eu estava quando ouvi a minha.
Era um fim de tarde qualquer, sem nada de especial. Eu estava sentado no sofá, assistindo um programa de televisão ao lado da minha ex-namorada e parte da família dela. O tipo de programa que mostra histórias de superação, de gente que saiu do nada e conquistou tudo. Aquelas histórias que, mesmo quando parecem distantes, inspiram.
Eu comentei, quase sem pensar:
“Um dia eu vou viver uma história assim…”
Ela riu. E, em tom de brincadeira, respondeu:
“Você nunca vai ser alguém… se enxerga!”
Todos que estavam na sala riram e concordaram. Foi como se eu tivesse contado uma piada. Mas, pra mim, machucou.
Não foi um hater. Não foi numa rede social. Foi ali, do meu lado. No sofá.
Hoje, essa história ganha vida.
Eu aprendi cedo a me virar.
Há mais de 20 anos, fui morar nos Estados Unidos, carregando na mala apenas vontade e a convicção de que precisava mudar minha realidade. Nessa época, as coisas não iam bem em casa. Peguei um pouco de dinheiro emprestado e minha família ajudou como pôde para viabilizar minha ida.
Não havia vaidade, expectativa de status ou qualquer ideia de viver o “sonho americano”. Havia apenas uma necessidade: aprender inglês e ganhar dinheiro. O máximo que conseguisse, do jeito que fosse. Era sobre fazer acontecer, mesmo nas condições mais improváveis.
Sem pensar duas vezes, aceitei todo tipo de trabalho. Literalmente, qualquer um. Eu sabia que, naquela fase da vida, cada aprendizado e cada centavo importavam. Mas também sabia que minha realidade e minha sede eram diferentes das de todos ao meu redor.
Em um dos trabalhos, fui ajudante de garçom num restaurante. Mesmo numa função simples, eu levava tudo com a mesma seriedade de quem está gerenciando o próprio negócio. Observava tudo, aprendia nos detalhes e buscava melhorar tudo que estivesse ao meu alcance.
Um dia, um dos garçons mais antigos da casa, incomodado comigo, resolveu perguntar o que eu estava fazendo ali e por que eu me comportava daquela maneira. Com um tom que misturava sarcasmo e desprezo, quis saber por que eu levava aquele trabalho tão a sério, já que, segundo ele, um brasileiro como eu nunca conquistaria nada muito relevante na vida.
“Você acredita mesmo que, nas condições que tem e sendo brasileiro, vai chegar em algum lugar? Desculpe… mas precisamos ser realistas.”
Nas palavras dele, eu não viveria muito além daquilo que ele via todos os dias: um ajudante esforçado que jamais sairia do lugar.
Na cabeça dele, eu tinha ido longe demais. Na minha, era só o começo.
Em poucas semanas, eu já estava envolvido com muito mais do que minhas tarefas. Comecei a ajudar a gerente com o controle de estoque, sugeria melhorias, organizava o que estivesse fora do lugar e fazia propostas para melhorar a dinâmica de atendimento. Aos poucos, fui conquistando a confiança dela e dos proprietários, que me elogiavam com frequência e reconheciam meu trabalho de um jeito que fazia todo esforço adicional valer a pena.
Além disso, a gerente, sem que eu pedisse, me pagava um extra, do bolso dela (ou talvez do restaurante, confesso que não sei), como agradecimento pelo meu overdelivery. Era um reconhecimento silencioso, mas que dizia muito.
Nessa mesma época, lembro claramente de outro episódio marcante.
Outro trabalho que tive foi numa megastore de roupas, uma dessas grandes lojas que recebem centenas de pessoas todos os dias. Nas minhas primeiras semanas, sem nenhuma liderança presente, alguns colaboradores decidiram testar até onde eu iria.
Me colocaram pra limpar o chão com uma escova de dente, em pleno horário de funcionamento. Sim, eu ficava literalmente de quatro no chão, próximo aos clientes enquanto eram atendidos e faziam suas compras. Era pra passar vergonha. Era pra que eu me sentisse menor. E ali, em silêncio, fiz o que tinha que ser feito.
Mas não fiquei muito tempo naquela condição. Em poucas semanas, assim que um dos responsáveis voltou de férias e viu a seriedade com que eu encarava o trabalho, me colocou para ajudar no estoque, aplicar estampas nas camisas e, vez ou outra, até montar vitrines.
Foi quando passei a observar de perto como um dos donos pensava e lidava com os detalhes que ninguém percebia. E foi assim, de escova de dente limpando o chão, que comecei a entender como o mundo funciona.
Empreender era sobreviver.
Enquanto a maioria das pessoas ao meu redor buscava se encaixar num trabalho confortável, onde tudo parecia seguro e previsível, eu seguia por um caminho onde não havia garantia de nada. Mas eu estava no jogo do longo prazo. Eu não queria ser mais um. Queria construir algo que eu pudesse, de verdade, me orgulhar.
Só que a minha vida, naquela fase, era uma bagunça cheia de improvisos. Eu tinha uma posição de estagiário e monitor na faculdade, o que me dava uma bolsa parcial. Nas horas vagas, me virava como podia. Desenvolvia sites como freelancer, organizava festas, fazia eventos locais e vendia algumas muambas. Eu fazia de tudo.
E mesmo com tudo isso, eu insistia em tentar emplacar alguma iniciativa. Acreditava que, se conseguisse acertar uma, só uma, tudo poderia mudar. Aquilo me consumia por dentro. Eu precisava de um projeto que me tirasse daquela situação e me permitisse, enfim, construir algo relevante.
Mas olhando pra trás, com o coração aberto, sei que dificilmente algo daria certo naquela época a ponto de ser realmente transformador. Porque eu ainda estava aprendendo. Aprendendo não só sobre negócios, mas sobre a vida e sobre mim mesmo.
O ponto de virada não veio com um grande contrato ou um projeto inovador. Veio num momento pequeno, mas que mudou tudo.
Como contei no começo dessa publicação… estávamos sentados, eu e minha ex-namorada, com parte da família dela, assistindo a um programa qualquer. Na televisão, a história de alguém que saiu do nada e construiu uma trajetória de sucesso. Era inspirador. Lembro que comentei que um dia eu também seria respeitado, e que contaria minha história.
Ela, em tom de brincadeira, disse algo como:
“Você nunca vai ser alguém… se enxerga!”
Todos riram e fizeram comentários dizendo que aquele sucesso era totalmente fora da minha realidade. Eu, constrangido, fiquei em silêncio.
Mas aquilo mexeu comigo. Não foi raiva, nem revolta. Foi uma certeza estranha. Eu não sabia como, nem quando, mas sabia que seria alguém. E que, um dia, as mesmas pessoas que riram se surpreenderiam com a minha história.
E esse dia chegou.
A mesma ex-namorada que disse que eu nunca seria alguém, naquela época, trabalhava como assistente em uma empresa com mais de 30 anos de história. Uma empresa respeitada, líder em seu segmento, e com forte presença na nossa região.
Os anos passaram. E essa mesma empresa se tornou cliente de uma das empresas da qual sou sócio. E não foi qualquer projeto. A diretora executiva, principal acionista, nos procurou em um dos momentos mais desafiadores que já enfrentaram: estavam prontos para dar um salto de expansão que colocaria toda a reputação deles à prova.
Resumindo a história: deu certo. Fomos parte de uma das iniciativas mais ousadas da trajetória deles, e juntos, alcançamos um feito indescritível no cenário nacional.
E o que eu senti? Sinceramente, nem sei explicar. A verdade é que só me lembrei desse detalhe agora, enquanto escrevia.
Eu nunca senti necessidade de provar nada pra ela. Nem pra ninguém.
A verdade é que me tornei alguém que não parou quando disseram que não daria para chegar onde eu enxergava chegar. Segui, mesmo sem plateia e sem aplausos.
Apanhei pra ganhar. E ganhei.
Não demorou muito pra vida me ensinar, mais uma vez, que os maiores testes costumam vir disfarçados.
Descobri que a faculdade onde eu estudava oferecia bolsas de até 100% para os alunos que representassem a instituição nos campeonatos de jiu-jitsu. Se ganhasse, a faculdade pagava tudo.
Nessa época, eu já treinava e competia, ainda como faixa azul. Mas havia um detalhe: os professores e quase todos os atletas eram de uma equipe rival à minha. Por isso, ninguém da minha equipe treinava lá, e, consequentemente, ninguém representava a faculdade nas competições.
Pra mim, era uma oportunidade. Pra minha equipe, uma loucura. Mas eu fui mesmo assim.
Sabia que, pra conquistar a bolsa, eu precisaria abrir mão do orgulho, encarar o que viesse e fazer o que fosse necessário. E não demorou pra perceber que seria tudo, menos fácil. A recepção foi fria. Eu era um corpo estranho e eles deixaram isso claro desde o início. Eles não me viam como parte da equipe. Eu era, literalmente, um adversário.
No tatame, era guerra. E eu era tratado como alguém que precisava provar tudo e mais um pouco. Pra cada desafio que os outros enfrentavam, me colocavam em três. Em cada treino, era como se testassem até onde eu conseguiria suportar. Em eliminatórias internas, me colocavam contra caras de duas, três categorias acima.
Não era só competição. Era teste de resistência, de paciência, de vontade. Eles queriam que eu desistisse.
Mas, como tantas vezes na vida, eles não perceberam que, na verdade, estavam me preparando. Cada desafio extra me tornava mais forte. Toda vez que eu voltava pra treinar, mesmo depois de ser esmagado, eu construía algo que eles não viam: eu estava ali pra vencer.
Com o tempo, minha posição se tornou incontestável. Ganhei lutas. Ganhei respeito. Ganhei a vaga de titular. Não só representei a faculdade nos campeonatos por categoria, mas também no absoluto, a categoria mais difícil, onde todos competem com todos. Trouxe medalhas, títulos, resultados. E a bolsa integral.
E ganhei algo ainda maior: o respeito de um dos professores. Mesmo sendo de outra equipe, ele entrou em brigas internas por mim, um desconhecido, vindo da “equipe rival”. Porque ele viu que eu não estava ali por acaso. Ele entendeu onde eu queria chegar e passou a respeitar isso.
Um tempo depois, o improvável aconteceu. Aquele mesmo professor tomou uma decisão surpreendente. Ele trocou de equipe e veio pra minha. E acabou virando meu mestre. Foi ele quem, anos depois, me concedeu a faixa roxa, a marrom e, por fim, a preta.
Sim, eu sou faixa preta. =)
Nunca pedi espaço. Conquistei.
Lembro também da época em que minha segunda empresa ainda engatinhava e, por uma recomendação, fui indicado para uma reunião com um dos maiores grupos empresariais da minha região.
Aquilo, pra mim, era como ter a chance de jogar na elite. Eu sabia que não tinha as credenciais dos meus concorrentes, nem o sobrenome que pesava na mesa. Mas fui. Fui com o que eu tinha: minha história e minha disposição para fazer diferente.
Na sala de reunião, a postura de todos era de reticência e traziam objeções. Comparavam o que eu falava com o trabalho do fornecedor deles. Era um nome forte, consolidado e com histórico. Quase zombaram da minha ousadia em tentar conquistar aquele espaço. Mas um novo diretor, com sede de mudança, me fez uma proposta:
“Vamos fazer um teste.”
E eu aceitei.
Em menos de um ano, aquele grupo se tornou meu principal cliente. Atendi diretamente os dois maiores negócios deles. Participei da expansão. Fui de “quem é esse garoto?” para “chama eles que eles resolvem”.
E mais: por muito tempo, eles foram o maior vetor de crescimento daquela minha empresa.
Quando era só protocolo, virou contrato.
Outro episódio que nunca me esqueço foi quando fui chamado pra participar de uma concorrência privada para atender uma das maiores construtoras do Brasil. A ligação veio, marcaram a reunião. Eu me dediquei, preparei tudo e cheguei confiante com uma proposta de trabalho.
Mas, logo no início da conversa, foram diretos:
“Olha, a gente já tem um fornecedor. Essa etapa da concorrência é só pra cumprir protocolo.”
Fiquei calado. Incrédulo. Tinha investido tempo, energia e estava confiante de que minha proposta era melhor para eles. Insisti, sem perder o foco, e fiz um pedido:
“Já que estou aqui, deixa eu apresentar meu plano de trabalho. Pelo menos para conhecerem como eu posso ajuda-los.”
Apresentei. Eles gostaram. Mas, naquele momento, já tinham fechado informalmente com outro fornecedor. Poucos meses depois, o telefone tocou (sim, nessa época ainda era tudo por telefone). O que eu apresentei tinha feito sentido. E minha empresa foi contratada.
Com o tempo, me tornei parceiro estratégico deles na minha região. Não só entregando o que me foi contratado, mas participando de atividades críticas, lidando diretamente com a alta gestão e conquistando um nível de confiança que não se compra, se constrói.
Isso não vai dar certo.
Lembro também de quando decidi abrir uma startup de jogos e aplicativos. Naquela época, pouco mais de 10 anos atrás, entrei num mercado novo, arriscado, que exigia capital intensivo e ainda era pouco desenvolvido no Brasil. Me disseram que seria impossível conquistar qualquer coisa ali. Que ninguém daqui, com os recursos que eu tinha, conseguiria algum resultado. Que eu ia perder tempo e dinheiro.
Mas eu mergulhei mesmo assim.
No nosso primeiro produto, conquistamos destaque nas lojas de aplicativos. Sem verba, com pouquíssima mídia paga. Foi ali que aprendi o que chamo de “growth raiz”. Ganhamos mídia espontânea, reportagens nacionais e o reconhecimento que nem estávamos buscando... simplesmente aconteceu.
Em pouco tempo, chegamos ao Top 10 das lojas de aplicativos em dezenas de países. Fizemos um stand histórico na maior feira do setor na América Latina, o maior já feito por uma empresa brasileira até aquele momento.
Não era mais sobre provar que dava. Era sobre ir além, fazendo o que ninguém acreditou ser possível. Muito do respeito que conquistei no mercado começou ali, pelos feitos que tivemos com esse negócio.
De lá pra cá, o jogo virou.
Lembro também que, em algumas rodas de colegas de trabalho, eu dizia que um dia atenderia grandes empresas. Me perguntavam como. Me diziam, mais uma vez que, da minha região, sem capital, sem relacionamentos, seria impossível.
Hoje, minha trajetória passa por nomes como Suzano, Zurich, Ogilvy, JFL, Wine, Sicoob, CleverTap, Embracon, Americanas, RDG Aços do Brasil, e grupos como Águia Branca, Ybera Paris, Vila Porto, Coutinho, entre tantas empresas que se destacam e lideram seus segmentos em suas áreas de atuação. Juntas, essas empresas movimentam dezenas de bilhões de reais, e confiaram nas minhas empresas quando o desafio exigia um nível mais alto de sofisticação.
Mas mais do que os nomes, o que ficou foi a certeza de que o jogo se ganha dentro. Antes de vencer fora, a gente precisa vencer dentro. Era impossível? Não era. Só precisava de alguém que não se importasse com isso.
O mais incrível é que chega uma hora em que você não precisa mais provar nada pra ninguém. Basta continuar entregando. Nenhum desses nomes apareceu do nada. Cada um veio por recomendação. Resultado de entregas que falaram mais alto do que qualquer barreira. Porque quando você entrega de verdade, você não precisa ficar correndo atrás de portas. São elas que se abrem. Uma a uma.
Ninguém precisa acreditar.
Já fui chamado de tudo que você possa imaginar. Mas aprendi que, no fim, o que nos define não são os rótulos. É o que fazemos, mesmo quando ninguém vê, mesmo quando ninguém acredita.
E se tem algo que esses mais de 20 anos me ensinaram, é que você não precisa que os outros acreditem, desde que você acredite e não pare.
Foram muitas histórias que me vieram à cabeça enquanto escrevia. As centenas de aulas e palestras. Os empreendedores e negócios que ajudei a desenvolver e crescer. A responsabilidade que assumi, mesmo quando parecia grande demais.
História que, pra muitos, podem soar como apenas mais uma conquista pontual, como dar aula num MBA de uma faculdade renomada, mas que, pra mim, tem um valor imenso. Não porque era sobre dar aula. Mas porque, anos antes, meu sonho era estar ali como aluno. E parecia distante demais. Tudo que eu queria era a chance de sentar naquela sala, aprender com os melhores, abrir portas que eu nem sabia que existiam. E um dia, fui chamado não para aprender, mas para ensinar, compartilhando minha história e minha experiência.
Não estou aqui pra me vangloriar, nem pra me vender. Mas pra mostrar que, por trás de qualquer resultado, existe uma sequência de escolhas.
“Micro decisões te levaram a estar exatamente onde você está agora.”
- Vitor Escocard
Essas são só algumas páginas da minha história. Uma jornada marcada por uma frase difícil de esquecer:
“Você nunca vai ser alguém.”
Essa frase ecoou dentro de mim por muito tempo. Não como um peso, mas como um lembrete constante do que eu precisava fazer pra ser melhor.
Ninguém precisa acreditar em você. Nem todos vão. E tudo bem. O que realmente importa é o que você faz. O quanto você está disposto a ser sua melhor versão, sem plateia, sem aplausos, e seguir, dia após dia, até ser alguém pra você mesmo.
Porque ser alguém nunca foi sobre o que dizem da gente. É sobre o que a gente faz apesar disso.
E você?
Já te disseram que você nunca seria alguém?
O que você fez, ou ainda vai fazer, com isso?
THGD
Felipe Lomeu
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