Um ato de coragem
Crescer é fácil. Difícil é mudar a direção quando o que você colhe não alimenta mais quem você se tornou.
Você percebe que alguma coisa na sua vida está muito errada, quando o sucesso daquilo que você se dedicou a construir não é mais suficiente. As conquistas não são mais comemoradas e o caminho que parece cada vez mais próspero te distancia do que fazia sentido pra você antes de tudo começar a dar tão certo.
Você se vê em uma rotina extremamente produtiva que, no fundo, já não gostaria mais de alimentar. É um tipo de vazio que não vem da falta, mas sim da soma de pequenas concessões que te engoliu aos poucos. Falo de estar avançando numa direção que, por mais que represente uma conquista admirável ou até inspiradora para os outros, não é mais a sua.
É sobre acelerar com tanta força, por tanto tempo, que agora parece não dar mais tempo de frear. E quando você percebe, já foi longe demais num caminho que não te leva mais para onde você gostaria de ir e simplesmente não consegue mais parar ou mudar a rota. Mesmo tendo as mãos no volante, você se vê conduzindo algo que ganhou velocidade demais, e que já não responde aos seus comandos como antes. É como estar no controle, mas sem poder escolher o destino.
Nem todo mundo entende quando você começa a questionar algo que está funcionando. Alguns vão chamar de drama, ingratidão ou até mesmo fraqueza. Como eu disse em Por que agora?
"Talvez você se veja em alguma linha. Talvez discorde de outra. Está tudo bem."
Mas para mim, pensar sobre tudo isso é um ato de lucidez. E decidir o que fazer com esse pensamento, exige coragem. É se permitir fazer silêncio no meio do barulho. É admitir que sim, é possível estar indo bem… e mesmo assim, não estar indo para onde gostaria. É sobre continuar a própria jornada com consciência e direção, e acima de tudo, com coragem para recomeçar se for preciso. Porque não importa o quanto você andou, importa se ainda está indo para onde vale a pena chegar.
Tudo certo, tudo errado
Na minha primeira publicação, em Por que agora?, falei sobre o peso invisível da liderança. Sobre os bastidores que quase nunca são verdadeiramente compartilhados. Hoje, quero falar sobre o que vem depois. Mesmo quando tudo está aparentemente certo, quando os resultados estão vindo, quando de fora tudo parece impecável. Mas por dentro... há um desconforto silencioso. Uma sensação persistente de que algo não está mais em seu lugar. E que talvez, o problema não seja exatamente estar cansado. É estar avançando para um lugar que você não quer estar.
Essa continuação fala de um ciclo silencioso que conheço bem: o de crescer sem se dar conta de que, a cada passo, o caminho te afasta de quem você realmente é. É sobre um padrão que muitos ignoram até parecer ser tarde demais. E não, essa não é uma reclamação vazia. É um chamado à reflexão.
O problema é que, quando tudo dá certo, o negócio cresce, o reconhecimento vem e os ganhos se multiplicam, e você, sem perceber, vai deixando pra trás partes essenciais de si mesmo. Convicções. Estilo. Desejos antigos que precisaram ser engavetados para o plano andar. Você se adapta, porque "é o melhor pra empresa". Porque "isso aqui está funcionando". Porque "é isso que o mercado espera". Porque "faz parte do jogo". E vai ficando cada vez mais longe daquilo que, um dia, fez sentido pra você.
E isso não costuma vir em forma de crise. Às vezes, acontece no auge. Quando tudo está aparentemente bem e você sente que não tem nem o direito de questionar. Afinal, está dando certo, não está?
Mas existe um limite entre ser responsável e ser cúmplice de um caminho que não faz sentido. Esse limite, quando ultrapassado, cobra caro, não da empresa, mas de você.
Como eu vim parar aqui?
Esse desalinhamento entre o que a empresa exige e o que você deseja pode não parecer grave no início. Você está tão comprometido em fazer dar certo, que ignora todos os sinais. Como no começo de um relacionamento amoroso que parecia promissor. Você cede aqui, ignora ali, empurra mais um pouco, até que um dia acorda e se pergunta: como eu vim parar aqui?
É um tipo de silêncio que se acumula em frustrações e que apaga, pouco a pouco, a chama por dentro. Você vai ficando eficiente e emocionalmente ausente. Cumpre entregas, lidera bem, mas já não sabe mais se está construindo algo que te orgulha ou apenas algo que mantém a engrenagem girando cada vez mais rápido, fazendo sentido para todos, menos para você.
Nessas horas, um bom gatilho é lembrar que somos adultos, sim. Que temos responsabilidades e compromissos assumidos. Sim, fazemos o que precisa ser feito. Mas a provocação é que também podemos, e devemos, reavaliar se o que está sendo feito ainda é o que queremos para nossas vidas.
Ainda dá tempo?
Na maioria dos negócios que acompanhei, os meus inclusive, a falta de empenho, comprometimento e dedicação nunca foi um problema. Falta de competência muito menos. O problema, na verdade, é quando tudo parece funcionar bem demais, e você segue trabalhando e entregando no automático. E quanto mais você entrega, menos você questiona. Até perceber que construiu algo sólido, mas distante do que realmente desejava.
Decisões foram se empilhando. Todas justificáveis. Mas juntas, te afastaram do que fazia sentido pra sua vida. Quando tudo parece importante para o negócio, a gente perde a capacidade de enxergar, e acima de tudo, de escolher o que queremos para gente. E, aos poucos, vamos empilhando decisões que até funcionam, mas nos afastam daquilo que faz sentido para as nossas vidas.
Gente talentosa, dizendo sim pra tudo. Times que entregam muito, mas sem conversar entre si sobre os porquês. Iniciativas que nascem com potencial, mas morrem por se distanciarem da sua essência. Líderes que, com muita competência, acumulam conquistas, entregam resultados e inspiram todos à sua volta, mas não param pra perguntar se ainda acreditam no que estão fazendo com seu bem mais precioso: o tempo.
Consertar o rumo da própria vida não começa com um workshop, playbook ou software. Começa dentro da gente. Começa com a escuta. Uma escuta do nosso próprio interior. Com um desconforto honesto e coragem de aceitar que parte do problema é o que toleramos. E outra parte é o que deixamos de ouvir. Voltar para si pode parecer ser um passo pro lado. Ou talvez um passo pra trás. E tá tudo bem. Desde que seja numa busca da direção certa. Desde que te aproxime da vida que você quer ter, e não só da empresa que você quer fazer crescer ou escalar.
Não é simples admitir que talvez o caminho que parecia ideal não faz mais sentido. É legítimo desejar mudança, mesmo com tudo funcionando, mesmo depois de anos, mesmo ainda no meio do caminho. Nunca é tarde. Isso pode até parecer um sinal de fraqueza. Mas, por outro ângulo, é sinal de maturidade. Porque mudar a direção exige mais do que força. Exige verdade. Exige coragem.
A coragem de fazer diferente
Já passei por isso mais de uma vez. E pode ser que aconteça de novo. Às vezes ainda escorrego, me vejo dizendo sim quando deveria dizer não. Mas hoje percebo cada vez mais rápido quando começo a desviar da rota. E aprendi a não insistir em caminhos que já não sustentam quem eu sou nem pra onde eu quero ir.
Entendi ao longo do caminho que não dá pra liderar de verdade quando existe um desacordo silencioso entre o que se acredita e o que se constrói. Que nenhuma performance é sustentável se, pra manter tudo em pé, você precisa se abandonar. E que coerência entre intenção e direção é o que transforma esforço em legado.
Hoje caminho com mais calma. Com mais consciência. Com mais intenção. Sei que crescer por crescer é só ruído. Que avançar desconectado de si é uma forma sofisticada de se perder. E que abrir mão da própria verdade, mesmo que aos poucos, é o jeito mais rápido de se afastar de si mesmo.
Quando você começa a escutar o que já está dizendo por dentro, tudo muda. Não se trata de ter o plano perfeito. É sobre um caminho coerente. Um time que caminhe junto. Uma vida que continue sendo sua, mesmo com tudo crescendo ao redor.
Esse texto é sobre mim, pra mim, e talvez pra você também. É pra quem já entregou demais, mas esqueceu de se perguntar se ainda queria estar onde está.
Talvez não seja sobre continuar fazendo mais. Talvez seja sobre fazer ajustes na rota. Ou, quem sabe, sobre recomeçar. Mesmo que leve tempo. Mesmo que dê mais trabalho. Mesmo que mude tudo.
Eu já mudei minha rota algumas vezes.
E mudarei quantas vezes forem necessárias.
Mas sobre essas mudanças de rota, isso fica pra uma próxima conversa.
Ah, e com essa publicação, declaro esse canal oficialmente aberto.
Será um prazer continuar essa jornada com você.
Até breve.
THGD
Felipe Lomeu
Obrigada por compartilhar! Mais força para continuar acreditando que mudar a rota tem propósito SIM.
Que texto, meu amigo.
Me vi em cada linha escrita.
Obrigado por compartilhar o momento e visão.