Escolha suas batalhas
Nem todo problema precisa ser resolvido agora. Liderar é saber onde concentrar energia e onde ganhar tempo.
Nas últimas publicações, comecei a abrir os bastidores do meu sistema de trabalho. Falei sobre o que realmente sustenta o meu crescimento: um sistema de verdade. Um sistema que não se resume a tecnologia ou ferramenta, mas que organiza, direciona e dá consistência ao que precisa ser feito. Que o caos pode até parecer heroico, mas não é sustentável. Falei também que coerência é um compromisso com o que importa e que escolher um objetivo é eliminar o resto. Também falei que toda escolha tem um preço, e que é difícil equilibrar tudo, e está tudo bem.
Essas publicações construíram o pano de fundo do que considero essencial para alcançar qualquer objetivo relevante: clareza, foco, direção e a disposição de fazer o que precisa ser feito.
Agora, quero falar sobre outro ponto essencial do meu sistema de trabalho: como eu resolvo problemas. Ou, mais do que isso: como eu escolho quais problemas vale a pena resolver.
A verdade é que nem todo problema é urgente. Nem todo problema é importante. E quase nenhum problema deve ser resolvido na mesma hora em que aparece.
Parece simples, mas a maioria dos líderes que eu conheço (e, por muito tempo, eu também) gasta tempo, energia e dinheiro apagando incêndios que sequer deveriam ter prioridade.
Vivemos em uma cultura que glorifica a correria. Somos incentivados a mostrar que estamos sempre ocupados, sempre correndo, sempre resolvendo mil coisas. Como se conquistas só fossem legítimas quando vêm acompanhadas de sofrimento e sacrifício extremo. Como se qualquer vitória sem exaustão fosse menos digna.
Mas quem lidera de verdade precisa de mais do que esforço. Precisa de clareza e coerência para enxergar o que realmente importa em meio ao caos. E, acima de tudo, de estratégia.
O que resolver. E quando resolver.
Ao longo de nossas vidas, principalmente no dia a dia de quem empreende, parece que todo problema é urgente. Que se você não resolver tudo, ao mesmo tempo, está fracassando. E a pressão para se provar, para dar conta, para mostrar resultado, só aumenta essa sensação. O problema é que isso vicia. Você entra num ciclo onde só reage. E quem vive reagindo, raramente escolhe com sabedoria onde colocar energia.
Com o tempo e muitos tropeços fui aprendendo que resolver problemas exige mais do que sagacidade e disposição. Exige visão. Não basta saber resolver. É preciso saber quando resolver.
Liderar não é sobre ter todas as respostas. É sobre ter coragem para segurar o que ninguém mais quer. Às vezes, isso exige decidir o que não resolver agora, mesmo quando todo mundo está esperando que você resolva tudo. E isso significa desagradar. Clientes, liderados, parceiros. Você mesmo, inclusive.
Ben Horowitz, em O Lado Difícil das Situações Difíceis, mostra que a vida de um CEO consiste em lidar com os problemas mais difíceis. Aqueles que ninguém mais quer resolver. E é exatamente isso que eu aprendi na prática.
Saber o que resolver mostra que você é um bom jogador. Saber quando resolver mostra que você joga o jogo de verdade. Mas o que realmente separa um bom líder de um líder estratégico é saber priorizar onde vale a pena colocar energia e onde é melhor esperar. Dependendo do problema, a decisão mais inteligente não é agir. É segurar. É observar. É ganhar tempo.
O tempo. Seu inimigo. Ou seu melhor aliado.
Tem uma fábula que tem circulado muito na internet que ilustra isso bem:
Certa vez, um rei capturou um homem sábio que havia sido acusado de um crime. O rei, sabendo da fama do prisioneiro, decidiu testá-lo antes de condená-lo.
O rei disse ao sábio:
— Se você conseguir ensinar meu burro a falar em dois anos, libertarei você. Caso contrário, será executado.O sábio, sem hesitar, aceitou o desafio. Após isso, foi levado de volta à prisão. Os outros prisioneiros, espantados com a decisão, perguntaram:
— Por que você aceitou algo tão impossível? Ninguém pode ensinar um burro a falar!O sábio respondeu calmamente:
— Em dois anos, muita coisa pode acontecer. O rei pode morrer, o burro pode morrer ou eu mesmo posso morrer.
Esperar pode ser uma jogada estratégica. O tempo, mesmo quando parece estar contra você, pode abrir margem para o inesperado. O tempo não resolve tudo, mas permite que o cenário mude, que as emoções esfriem, que novas soluções apareçam. Esperar pode ser uma escolha poderosa, desde que você saiba exatamente o que está esperando e por quê.
Poucas pessoas sabem, mas sou formado em Relações Internacionais. Foi uma escolha em uma época em que eu queria deixar de ser o nerd atrás do computador. Naquela época, ser nerd não era cool como é hoje, mas essa história fica pra outra hora. O que importa é que foi nesse curso que mergulhei nas teorias de guerra e paz, estratégia, poder, negociações, relações entre nações e, claro, relações entre pessoas. Esse repertório me ajuda todos os dias a entender contextos, mapear interesses, antecipar movimentos e, principalmente, decidir com frieza, visão e clareza.
Concentre seus recursos.
O princípio mais importante do meu sistema de resolução de problemas é simples:
Escolha suas batalhas.
Nem toda batalha precisa ser vencida. Algumas você só precisa manter sob controle, para que não virem crise. Outras, pode adiar até que o contexto permita. Muitas, você pode simplesmente evitar. E algumas, sim, vai precisar encarar de frente até vencer.
Há uma frase, atribuída a Frederico, o Grande, que encaixa perfeitamente aqui:
“Aquele que tenta defender tudo, acaba não defendendo nada.”
— Frederico, o Grande
Tentar proteger todas as posições enfraquece a defesa geral. Em negócios, isso significa desperdiçar energia, perder foco e comprometer resultados. Quanto mais frentes abertas, mais difícil fica sustentar clareza, priorizar o que importa e manter o ritmo. E, na prática, só acumula tarefas inacabadas, pessoas confusas e um cansaço que te impede de concluir o que realmente importa. Concentre energia onde a vitória realmente muda o jogo. Mantenha estável o que não pode cair. E aprenda a ignorar o que só distrai. Porque quem tenta resolver tudo, no fim, não resolve nada.
Quando tudo importa, nada importa. Quando todo problema parece urgente, nenhum realmente é.
Nem tudo é para agora.
Sabe aquele jogo de tabuleiro War? Imagine que sua maior parte das tropas está concentrada na Europa, mas seu objetivo secreto seja conquistar Oceania, América do Sul e América do Norte. A vontade de dominar tudo ao mesmo tempo é grande. Mas seu papel não é dominar todos os territórios de uma vez. Se você espalhar suas tropas atacando sem critério, vai perder força, território e chances de vitória. Melhor manter algumas frentes estáveis, defender o essencial e focar onde a vitória realmente muda o jogo. Saber perder uma posição hoje para ganhar a guerra amanhã é o que diferencia quem joga para sobreviver de quem joga para vencer.
Saber escolher as batalhas é parte desse principio. Na vida profissional, é igual. Melhor perder uma posição agora, do que o jogo inteiro depois.
"Invencibilidade está na defesa; a possibilidade de vitória, no ataque."
— Sun Tzu, A Arte da Guerra
Você defende o essencial, mas vence ao atacar com clareza de objetivo e de contexto. Resolver bem não é necessariamente resolver rápido. É agir com estratégia. Por isso, escolher a batalha certa exige priorizar problemas com base em impacto, tempo e recursos disponíveis.
Liderar é decidir o que não pode esperar.
Adiar com sabedoria é uma competência de líderes maduros. Nem toda batalha precisa ser travada agora. Algumas precisam apenas ser observadas. Outras, estabilizadas. E algumas, deixadas de lado, temporariamente ou para sempre.
Não existe receita pronta para os momentos em que tudo parece desmoronar. O que existe é clareza sobre o que não pode desmoronar agora. No fim, não se trata de ter coragem para enfrentar tudo. Mas de ter inteligência para decidir o que enfrentar primeiro.
Liderar também é saber quando agir. E, principalmente, quando esperar. Nem todo problema é para agora. E isso é bem diferente de se omitir. Quando adiamos uma decisão com propósito estratégico, estamos ganhando tempo. Quando adiamos por medo ou indecisão, estamos apenas adiando o problema. Ou pior, alimentando ele.
Alguns problemas, se forem deixados em espera, se resolvem por desdobramento natural, por mudança de cenário ou por amadurecimento de contexto. Outros, se não forem tratados logo, viram crises maiores.
Resolver bem não é necessariamente resolver rápido. É agir no tempo certo, com a energia certa, pelo motivo certo.
O segredo não é fazer tudo. É decidir o que não fazer agora.
E, claro, é decidir o que não pode esperar.
E você? Em qual batalha está gastando energia que poderia estar concentrando em outra que realmente muda o jogo?
THGD
Felipe Lomeu
Acho que esse foi um dos conceitos mais marcantes que aprendi em nossa breve trajetória juntos na Enjoy. Escolher as batalhas que realmente precisam ser travadas realmente muda o jogo. Obrigada!